Ferro e Pólvora


Uma repentina rajada de ventos atingiu a lateral do navio forçou as velas e os balões auxiliares para que o empurrassem, caso contrário acho que teríamos colidido com a nau flutuante que vinha logo à frente. E no momento em que as duas embarcações voadoras estavam alinhadas paralelamente cada capitão de sua respectiva embarcação ordenou que os canhões fossem disparados, dando início a uma sequência de explosões ensurdecedoras. Abaixo do convés, homens agiam com urgência, com os braços sujos de pólvora até o cotovelo, precisavam recarregar os canhões o mais rápido possível. Eu mesmo não suportei a primeira onda de ataques e me encolhi atrás de alguns barris do convés, e segurei firme numa corrente para que não escorregasse e caísse de pelo menos dez quilômetros de altura. No curto período de tempo em que os dois lados recarregavam os canhões, ouvia-se apenas o grito dos feridos. Eu podia escutar até mesmo o grito e o praguejar dos inimigos, no navio ao lado. O Capitão Shoveler, que berrava ordens todo pomposo e imponente no convés, foi atingido assim que começou a segunda onda de disparos com uma projétil de canhão na perna, que a destroçou em um monte de carne vermelha, sangue e lascas brancas de osso, provavelmente o fêmur. Aquela segunda onda nos deixou muito abalados e a querida Eudora ameaçou tombar a jogar toda a tripulação pelos ares, já que os bastardos do outro navio começaram a atirar nos balões auxiliares com mosquetes, fazendo com que eles murchassem como o estômago de um cadáver.

Criei coragem, enquanto o Doutor Easton tentava ajudar o Capitão eu apanhei o mosquete de um camarada morto com a maior cautela. Assim que tive a oportunidade, disparei contra um dos atiradores inimigos, um tiro certeiro na cabeça, talvez no olho, ele caiu rápido demais para que eu percebesse. Sem tempo para recarregar, larguei aquela arma ali mesmo e fui até um canhão solitário na popa da boa e velha Eudora, estava carregado e isso me animou ainda mais, o canhoneiro responsável por ele provavelmente fora lançado da superfície do navio, caso contrário seu corpo estaria por perto. A segunda onda de disparos parou e era apenas eu e a embarcação inimiga, que devia estar a apenas uns vinte metros de distância de nós. Aquele modelo de navio me era familiar, os piratas gostavam muito dele pela mobilidade, porém, se atingido no ponto fraco ele desabaria, e foi lá que eu apontei. A viga mestra, apelidada de “coluna vertebral”, localizada logo atrás do leme, poderia fazer o navio se partir ao meio caso fosse destruída, e eu só tinha uma única bola de canhão para disparar. Depois que já estava tudo bem posicionado e a terceira onda de disparos perto de começar (nesse momento Eudora estava sob comando do Oficial de Pilotagem Winters), fechei os olhos e queimei o pavio. O estouro se juntou com os estalos de madeira se despedaçando, eu abri os olhos curiosos e vi a coluna vertebral da embarcação pirata se soltando e partindo logo em seguida, caindo livremente pelo ar. Aos poucos toda a popa ia se despedaçando até que não houvesse suporte para aguentar o mastro principal (presente naquele modelo de navio) e fazê-lo cair. Vários homens caíram entre madeira, canhões, caixas e outras coisas que a gente vê em navios. Os ainda vivos me parabenizaram e gritaram vivas, alguns, mais próximos do Capitão Shoveler, permaneceram em silêncio ao lado de seu corpo sem vida, que passou os últimos momentos se debatendo numa poça de sangue. Pude ver o Oficial Winters tirando seu chapéu em sinal de respeito e levantando os óculos de aviação, os deixando sobre a testa. Apesar das perdas e danos, a carga transportada permaneceu intacta e pronta para seguir viagem. Nosso destino estava próximo e a missão prestes a ser cumprida, logo estaríamos indo para casa.

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